TECENDO A REDE


Tecendo a Rede

Neste domingo, já na estação das chuvas, quase dois anos após a tragédia de 12 de janeiro, demos início à visita às famílias que seguem morando no bairro de Campo Grande, a fim de mostrar o que pretende ser a Rede das Águas. Com a mata exuberante já cobrindo boa parte das ruínas e as poucas ruas quase desertas, o bairro passa uma sensação de paz, mas também de uma imensa tristeza. Umas poucas crianças brincam na porta de uma casa, em outro um rapaz cuida de uma moto. Da janela de uma casa bem próxima ao leito do rio, duas mulheres nos observam com curiosidade e desconfiança. Pedimos então licença para lhes mostrar a página do blog e o marido de uma delas nos convida a entrar. Ana e Rosilene não economizam palavras e emoções, e a uma certa altura da conversa choramos juntas.  E a cada momento fica clara a imensa necessidade de comunicação e catarse, apoio e esperança dessas que são as últimas famílias do bairro. De lá seguimos, guiadas pela filhinha de seis anos de Ana, para a casa do Bene, hoje um dos representantes dos moradores, às vésperas de deixar sua casa e o bairro onde nasceu há 46 anos. Sua casa, assim como a de Ana, será demolida. Todos se interessaram em participar da Rede das Águas e compartilhar suas experiências, sentimentos e informações.



Rosilene: “Esqueceram da gente”
Mãe de cinco filhos - Thamires, Shirley, Estefane, Gustavo e Tiago – Rosilene já deixou o Campo Grande onde nasceu há mais de 30 anos. Sua casa desapareceu na madrugada da tragédia, mas sua família conseguiu sair e alcançar outro terreno mais seguro. Sem aluguel social, sem cesta básica, é do salário do marido que sai a prestação de 500 reais pela compra de uma casa no Arrieiro. Três tias suas e quatro sobrinhos nunca foram encontrados.

“Eles dizem que Campo Grande acabou. Mas na semana passada fizemos uma caminhada aqui, porque eles esqueceram da gente, mas nós não esquecemos deles. A gente não entende direito o que acontece, porque cada um fala uma coisa. Uns falam que aqui vai virar um parque. Outros falam que os que estão nas margens terão que sair. Que vão fazer uma barragem. Como a minha casa era alugada, não tive direito ao aluguel social, pois ele foi pago para a proprietária da casa. Compramos uma casa fiado, pagamos 500 reais por mês. Aqui no bairro todo mundo era parente. Já vai fazer dois anos, cadê o apartamento que prometeram? O aluguel social tá terminando. A gente gostaria de reconstruir aqui. Que eles fizessem as pesquisas e dessem o material para a gente construir em mutirão. Todo mundo sonha ficar. Quem tá aqui tem esperança de ficar. Não tivemos apoio psicológico, nada. Quando chove meu filho de cinco anos quer correr para o mato. Hoje ele tem medo de chuva. A gente não tem mais confiança em ninguém. A gente quer ver isso aqui bonito. A gente tem que lutar. As pessoas vêm aqui para tirar fotos. Algumas nem cumprimentam os moradores. Fotografam as pedras e nem olham pras pessoas.” Depois de muita luta nossa, dos moradores, da associação, conseguimos que o coleginho fosse reformado e voltasse a funcionar. Teve lista e ele voltou a funcionar em agosto deste ano”



Ana Lúcia: “A gente já não existia antes”
Casada com Renato, mãe de Ana Carolina, Ana Lucia é cozinheira de restaurante, mas está desempregada no momento. Sua casa foi parcialmente atingida pela avalanche de pedras e lama. Com a água na porta da sala, que hoje é o quarto da família, eles se salvaram nem sabem como. Sem aluguel social e às vésperas de deixar o bairro ela ainda tem esperanças.

“Minha casa foi avaliada pelo INEA e ofereceram 10 mil reais. Somos cinco irmãos. Dois mil para cada um, como fazer? Tem gente que recebe aluguel social, outros não. Mas o aluguel acaba e agora algumas casas vão sair mesmo. Se vocês vissem como era isso aqui antes.  A gente mesma inventava as brincadeiras, porque nunca teve nenhuma melhoria, um parquinho pras crianças, uma praça. A gente já não existia pra eles.”


Benedito Gustavo: “É importante estar informado”
Representante da associação de moradores. Bene – como é conhecido no bairro – é construtor e nasceu em Campo Grande há 46 anos. Sua casa foi parcialmente atingida pelas avalanches, mas ele conseguiu reconstruir e seguir com a vida. Agora vai deixar o bairro, sua casa vai ser demolida, mas o apego ao lugar é tal que ele vai se mudar para a Posse, bem perto dali.

“Os acordos demoram porque são muitos órgãos envolvidos nas decisões, e se um deles discordar, a decisão para. Aqui atuam o DRM, para analisar o solo, o INEA que vê a questão das margens, a Defesa Civil, que vê a segurança das pessoas e ainda a promotoria pública. O que a gente sabe até agora é que do coleginho pra cima vai ser tudo transformado em barragens, parece que serão três delas aqui. Mas ainda não se sabe quem fica, quem sai. A minha casa já sei que vai ser demolida. O importante agora é a a gente ter informação, não correr atrás de boatos. E na hora das negociações dos valores tem que negociar muito mesmo.

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